Luke e Jair: Avessos e singularidades



Luke e Jair têm muita coisa em comum… e ao mesmo tempo nada em comum. Com paciência, leia o textão abaixo e entenda meu raciocínio sobre a relação entre fantasia e política.

O último filme da saga Guerra nas Estrelas foi indiscutivelmente um sucesso, exatamente por ter ido aonde os longas anteriores não foram, e, sendo assim, foi amado por uns fãs e odiado por outros.

Fui ao cinema para ver Luke e Leia, o que aparecesse em volta para mim seria lucro. Fato que amei o filme. Não me refiro a aspectos técnicos e sim à nostalgia e especialmente à figura do Luke.

Quem conhece a Jornada do Herói vai entender a seguinte bomba:
Luke é o exemplo perfeito do herói compósito exatamente por ser imperfeito.

Luke se torna um mestre Jedi, mas no episódio VIII parece que sua academia atrasava os salários e só tinha uma turma do fundão muito barulhenta, pois ele se mostra como um mestre fracassado, isolado da Força e cheio de remorsos e frustrações.

Mas não é bem assim, seu principal aluno, seu sobrinho Ben - aquele que apareceria nos outdoors de propaganda da escola acompanhado da frase “1º lugar no vestibular do Conselho Jedi” -, tinha escuridão dentro de si, e ele, ao perceber, mesmo que por um momento, um futuro sombrio naquele jovem, ativou seu sabre na esperança de livrar a galáxia de toda a devastação vindoura. E no mesmo instante, percebeu a insanidade de seu ato. (E para você que achou um absurdo o grande mestre Luke Skywalker pensar em matar seu melhor aluno e único sobrinho, lembre o seguinte: você não sabe o que Luke viu de tão terrível ao sondar a mente de Ben).

O mestre Skywalker que Ray encontra ilhado num planetoide continua sendo um herói. Mas ele ainda não completou sua jornada. Quem está familiarizado com as ideias de Joseph Campbell – o cara em quem George Lucas baseou sua estrutura de roteiro para Uma Nova Esperança – sabe que o importante não é o resultado de sua jornada, mas a jornada em si. Não importa se você perdeu ou ganhou ao final, o importante é o caminho trilhado e o que você aprendeu. Assim é a nossa vida.

Assim é a trajetória que faz de Luke o herói perfeito para seus fãs. Ele não é inatingível, ele não completou seu treinamento – ele nem leu os escritos Jedi…, ele falhou com as pessoas, ele se frustrou, ele abdicou-se de sua suposta missão de salvar a galáxia… mas no fim, teve sua redenção, confronta aquilo que o angustiava, tem seu duelo final, cumpre seu objetivo – segurou a Primeira Ordem enquanto os rebeldes fugiam - e finalmente junta-se à Força olhando para dois sóis. Luke não caiu no lado sombrio como seu pai, Anakin, mas ambos sofrem uma espécie de redenção na iminência da morte. Luke salva Anakin para Anakin salvar Luke no final do episódio VI.

Quantos de nós não falhamos? Quantos de nós não fracassamos naquilo que pretendíamos fazer com exímia maestria? Quantas angústias, frustrações e fracassos acumulamos e delas, lições tiramos? Quanto aprendizado temos das porradas que a vida nos dá? Daí nossa semelhança com Luke, daí sua perfeição como herói imperfeito o aproximar tanto de nós, como os heróis e deuses gregos, com suas características e defeitos tão próximos de seus adoradores.

(Quantos de nós precisam batalhar até o fim como a general Leia, que passou toda a sua vida em luta por uma causa? Ou mesmo Han Solo, que até o fim da vida continuou viajando pela galáxia sem uma família. Quantas pessoas conhecemos que passam por dificuldades e atribulações a vida toda em busca de dignidade? São tais características dessas personagens que refletem nossa própria vida e dão familiaridade a essas obras.)

Luke nos fala da arrogância dos Jedi, por isso sua ojeriza para a religião milenar. No fim, Luke percebe a importância dele como lenda. Como lenda, suas imperfeições somem; como lenda, você se distancia das pessoas comuns e se torna capaz de feitos extraordinários. Assim como todos os heróis, a esfera social ascende para uma esfera mística, que, com o passar do tempo, ascende para a esfera mítica.

Luke se tornou lenda. A lenda se tornou mito...

(Espero realmente que você tenha sensibilidade de entender o que leu até agora, pois vai entender o que vem a seguir, a treta com o Jair…)

A realidade fantástica e a fantasia de ficção científica, quando bem feitas, nos permitem uma ótima reflexão sobre aspectos de nossas próprias vidas. Não vou entrar no mérito político de Star Wars, apenas na figura de Luke e sua relação com o Jair.

Bom lembrar que a palavra mito em sua essência não é sinônimo de mentira. O mito é uma forma diferente de contar uma história, fornece uma estrutura fantástica ao comum, daí falarmos em Jesus histórico que pregava a compaixão e o Jesus mítico que andou sobre as águas.

Agora, quando falamos do Jair e seu epíteto de “mito” dado por seus seguidores, acredito na essência “lugar comum” da palavra usada em programas matinais sobre atividades cotidianas do tipo “manga com leite faz mal, mito ou verdade?”, aqui sim, a palavra sendo usada como sinônimo de mentira. Pois existe uma diferença grande em dizer o que o povo quer ouvir e dizer aquilo do que o povo precisa. E convenhamos, nem sempre o povo sabe do que precisa.

O mito Luke sabe do que a galáxia precisa, o fim da arrogância Jedi, da prepotência que cegou a Ordem e fez a república ruir sob as mãos de um único Lord Sith. E caiu sob aplausos de um senado que ouviu o que queria ouvir. O mito, ou melhor, a “mentira” Jair acha que sabe do que o povo precisa, mas não sabe, daí dizer o que o povo quer ouvir, em discursos inflamados e superficiais, no melhor estilo general Hux. Ganha fama em cima da ignorância e de uma falsa esperança.

Ao olharmos a trajetória de Luke, desde seus pulos com Yoda em Dagobah, até as cócegas que faz em Rey, percebemos alguém que se desenvolveu numa jornada completa, tornou-se o ápice daquilo em que acreditava para depois recolher-se frente às contradições que encontrou pelo caminho. Isso nos remete ao Taoismo – aquele que diminui, cresce – ou mesmo ao Cristianismo – Mateus 5:3 Bem-aventurados os humildes de espírito. Essa sensação de pequenez diante da vastidão do universo nos permite desenvolver algo que conhecemos no Budismo como necessário à consciência superior – as capacidades de intuição, inteligência e vontade (Luke demonstra essas características em momentos específicos de sua jornada ao longo dos episódios IV, V e VI).

Ao olharmos a trajetória “humanista” de Jair, percebemos alguém que não mudou espiritualmente, não refletiu sobre si próprio, permanece numa carreira estática sem desafios, não cresceu e jamais recolheu-se frente às contradições que ele mesmo representa – no melhor estilo estereotipado de “deus no coração” + “sou favorável à tortura”. Mais de duas décadas de carreira política, ele, assim como muitas outras personagens do ramo, não causou qualquer mudança em qualquer núcleo social existente no país, não encabeçou qualquer projeto que transformasse de fato a vida de qualquer cidadão em algo melhor – a não ser a própria família. Pelo contrário, crescem os discursos de ódio no meio que quer elegê-lo. Falta-lhe intuição, inteligência e vontade.

Luke Skywalker, o herói compósito, iniciou sua carreira num universo maniqueísta, preto no branco, com heróis e vilões bem definidos. Funcionou muito bem porque era um universo ficcional. Por isso o último filme foi tão polêmico entre os fãs, acabou-se o maniqueísmo, surgiu a ambiguidade, o herói androcêntrico de espada na mão no melhor estilo Príncipe Valente desapareceu, entra em cena o herói incerto, com temores iguais ao público do mundo real. Daí o velho Luke ser muito mais verossímil que a “mentira” Jair, que falha ao vestir a capa de herói compósito, quando não o é, quando tenta ser o líder idealizado numa realidade de pessoas ambíguas e cheias de dúvidas – a História nos mostra com os piores exemplos que infeliz é a nação que precisa de heróis.

Se você é seguidor do Jair e fã do Luke, repense sua percepção de realidade, pois algo está errado na sua linha de raciocínio. Agora se você é fã da saga, pois sente mais familiaridade com as personagens do Império Galáctico ou da Primeira Ordem, você está sendo coeso no seu raciocínio, mas não coerente com aquilo que o George Lucas de 1977 tinha em mente para sua “space opera”.

Eu escrevi no início que Luke e Jair tinham muita coisa em comum. Perceba que ambos permeiam esse campo que os classifica como “salvador”, embora a trajetória que os levou a essa posição seja extremamente diferente, caminhos diametralmente opostos, daí eu escrever que ambos não têm nada em comum. Ray tem uma ideia sublime de quem seja Luke, tão idealizada que não entende quem é aquele Luke que ela encontra na ilha. Depois ela entende a verdade sobre os lendários Jedi quando dialoga com Luke e é treinada nos caminhos da Força, ou seja, ela conhece a verdade depois que passa a buscar o conhecimento. Diferente dos seguidores do Jair, cuja grande característica denotada pelas redes sociais é a adjetivação passional pseudomoralista e religiosa sem argumentação profícua de qualquer tema. Falta a esses seguidores a busca verdadeira pelo conhecimento, e, principalmente, a busca pela sabedoria. Mas o mestre só aparece quando o aprendiz está pronto.

Star Wars, assim como outras obras de ficção, nos traz uma mensagem simples que pode ser relida por diferentes pontos de vista, mas acima de tudo traz uma beleza humanista que remete à sensibilidade necessária para se produzir um universo como esse. Quando olhamos para trás, vemos a História do mundo e suas civilizações numa trajetória sempre progressista de entender o que se temia e acolher o que não se entendia – e não excluir. É natural no caminho do ser humano, a luta pelo policromático – perceba como a ordem monocromática e opressora do Império, apenas com humanos e as faces mecanizadas dos stormtroopers, é subjugada pelas cores e diversidade de  raças da Aliança Rebelde - “rebeliões são feitas de esperança” disse Jyn. Luke representa essa fagulha de esperança, enquanto Jair representa o monocromático Império que promete ordem ao caos. Aliás, Jair, em entrevista num programa carioca dizendo que o Brasil precisava de uma guerra civil que matasse uns 30 mil para entrar em ordem, faz lembrar o diretor Krennic em diálogo com Galen Erson:

Krennic: Estamos quase providenciando a paz e a segurança para a galáxia...
Erson: Está confundindo paz com terror.
Krennic: Bom, temos de começar por algum lugar.

A realidade é muito complexa, as obras de fantasia nos contam histórias que podem exercer a mesma função dos mitos cosmogônicos antigos e modernos, dar uma estrutura diferente e fantástica para se entender a realidade. Poder-se-ia fazer uma leitura da relação descrita no texto apenas pelo contexto da saga, a relação entre Luke e Jair poderia se dar apenas como antagonista de Luke e pela similaridade de suas ideias com lordes Sith, como o Conde Doku ou o próprio Imperador Palpatine – mas estes jamais mentiram durante os filmes, apenas disseram “verdades” convenientes nas horas certas, num jogo de palavras que permitiu a tomada de poder. E como todos os regimes ditatoriais da vida real, o Império ergueu-se após a criação da figura de um inimigo.

Resta-nos a reflexão, ir além do entretenimento ao ter contato com tais obras, pois assim é a arte.

Autor: um fã das antigas, do tempo da Kenner nas embalagens de action figures.

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